Atualização (setembro/2018), crítica/escrita sobre o espetáculo:
UMA ESQUIZOANALISTA VAI AO TEATRO:
O ENCONTRO COM “FULANINHO”
“Fulaninho”, com direção de Daniel Colin e atuação de Markus Chaves, é uma peça híbrida: um show-teatro. Mas essa é apenas a primeira de suas múltiplas fronteiras. No palco, encontro um ator-cantor-multi-instrumentista. Na plateia, fico emocionada desde a primeira até a última canção. Fulaninho faz rir e faz chorar. Ele me levou por seus sonhos e covardias. “A potência da arte é afirmar o falso”, diz Nietzsche. É aí que “Fulaninho” explora mais uma fronteira: arte e vida se misturam, verdade e mentira são indiscerníveis na complexa constituição desse personagem encantador. Sua humanidade se expressa em seu desejo de ser um grande astro num grandioso show. De dentro de sua casa, de dentro de sua cabeça sai para o palco suas aspirações e medos. Sua mais dura fronteira: o medo. Mas, ele faz de sua limitação sua criação. Fulaninho cria “um conjunto musical de um homem só”. Essa fronteira, se patologizada, vira esquizofrenia. Na arte ou no devir-criança, vira a potência de um ator-cantor-músico compondo canções e amigos imaginários. Markus Chaves mostra uma maestria como ator, de maneira leve, que beira a perfeição. Cada personagem, atuado pelo mesmo ator, mostra a farsa do indivíduo. Indiviso jamais! Há no Eu muitos Outros. Em seu delírio alucinatório, ele não está só. “Fulaninho” apresenta uma solidão fragmentada por um processo esquizo criativo. Deleuze diz que “o esquizo” é aquele que escapa, que traça as linhas de fuga da clausura do Eu. O esquizo é o criador de sua existência como obra de arte. Só há possibilidade de (re)invenção de si com linhas esquizos (de)compondo a subjetividade. Fulaninho traz esse processo para o palco, no show-teatro tragicômico, explorando múltiplas fronteiras de questões difíceis do humano: o que fazer com sua solidão? O que fazer com seu medo? O que fazer com seus desejos? Uma esquizoanalista vai ao teatro e deixa a psicologia patologizante da existência bem longe de sua sensibilidade. Talvez, a sociedade precise mudar o olhar para seus Fulaninhos. Deixar de aspirar classificá-los, diagnosticá-los, medicalizá-los, adaptá-los a um ideal capitalístico e poder aprender com eles a arte da criação a partir de suas dores. Viviane Mosé diz, no livro “O homem que sabe”, que o teatro trágico grego foi criado para que o ser humano pudesse encarar seu sofrimento de frente. “Fulaninho” possibilitou a esta esquizoanalista aspirante à atriz, que nunca conseguiu enfrentar uma plateia e apresentar uma peça, que ela nunca esteve só. Mesmo os grandes artistas, como Markus Chaves-Fulaninho, carregam, na multi-solidão de si mesmos, as maiores fraquezas humanas. No encontro com Fulaninho, não estamos sós!
Isabel Toledo - Psicóloga Clínica
E-mail: isabeltoledo.psicologia@gmail.com
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